Questões Discursivas

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QUESTÃO 1: INÉDITA COM O PACOTE ANTICRIME.

Amarildo Barriga, servidor público da prefeitura de Deus me Livre do Oeste foi tido como suspeito do crime de peculato, pela subtração de três computadores da prefeitura da cidade. O promotor de justiça local entendeu que não havia o lastro probatório mínimo para a deflagração da ação da ação penal, já que o indiciado possuía álibi e, para tanto, remeteu os autos do inquérito para a chefia da instituição, ao argumento de falta de justa causa para a propositura da ação penal. O prefeito, indignado, foi bater as portas do Conselho Superior do Ministério Público, a fim de que tal arquivamento fosse revisto. Tal proceder do prefeito encontra consonância com o atual artigo 28 do CPP?

Resposta: A resposta afirmativa se impõe. Em sendo o Município - vítima (sujeito passivo) do crime de peculato, e, em não possuindo o Município procurador, a representação pelo prefeito se deu de maneira escorreita.

Note o leitor a pedra de toque do art. 28 § 2º do CPP: Agora quem faz as vezes de fiscal do princípio da obrigatoriedade no caso de arquivamento do inquérito policial não é mais o juiz, mas os prefeitos e procuradores dos entes federativos. O juiz cedeu a toga ao prefeito, em verdadeira desjudicialização. Tal entendimento se deu com a introdução em nosso ordenamento jurídico do Pacote Anticrime. Observe o leitor a nova redação do art. 28 do CPP, com a redação fornecida pelo pacote anticrime:

Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.      (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019). § 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial.   

O pacote Anticrime encampado pela Lei 13.964/19 foi vetado em alguns artigos, mas foram vetos de menor monta. Logo, a sua essência restou preservada.  Registre-se que a Lei 13.964/19 foi sancionada, como “presente” de Papai Noel, na véspera de Natal, em 24 de dezembro de 2019, e, tido como a grande novidade natalina, entrou em vigor após o lapso temporal de trinta dias, depois de sua publicação oficial. Já está nas ruas, bancos, praças e tribunais brasileiros!

O juiz de garantias, conhecido como juiz imparcial que irá atuar antes da instrução probatória, já era uma realidade discutida pelo ordenamento jurídico em tempos pretéritos. Muito embora seja considerado uma novidade no pacote Anticrime, de novidade pouco se tem. Isso porque o instituto já era previsto no projeto do Código de Processo Penal, já tendo sido aprovado (até a presente data!) no Senado Federal.  O tema veio a lume com o projeto do Código de Processo Penal por constituir-se em realidade fática no cenário nacional. Surge para suprir uma demanda e prevenção à parcialidade do magistrado. Não vamos muito longe:  Não houve mesas paralelas e o olhar superior do juiz, mas cadeiras laterais entre juízes e promotores de justiça no caso da operação lava jato, em que tais personagens seguiram, trocando, entre si, “figurinhas” dentro e fora do recinto. Para banir tais práticas tornou-se premente a figura do juiz de garantias. Garantidor do quê? Ora, garantidor de um processo adequado, isonômico e justo, presidido por um juiz imparcial.

A visão garantista de Luigi Ferrajoli já, de há muito, criticava a produção de provas de ofício pelo magistrado, insculpida no art. 156 do CPP, rotulando, dessa forma, o sistema acusatório de impuro. Era água de barro na piscina limpa.

Preconizavam muitos estudiosos sobre o tema definindo tal contexto em caráter suplementar de produção de provas de ofício, para que tal dispositivo fosse salvo no sistema. Mas o Código, já uma colcha de retalhos, pedia socorro e pouco gente ouvia.  A visão garantista de Luigi Ferrajoli muito já criticava a produção de provas de ofício pelo magistrado, insculpida no art. 156 do CPP, rotulando, dessa forma, o sistema acusatório de impuro. Falavam em caráter suplementar de produção de provas de ofício, para que tal dispositivo fosse salvo no sistema. Mas o Código, já uma colcha de retalhos, pedia socorro e pouco gente ouvia. 

A fim de resgatar água limpa, o objetivo maior do pacote Anticrimes foi banir a figura do juiz paternalista. Se a parte não produziu a prova, com menos razão deverá produzi-la quem irá julgá-la. Se a prova não chegou aos autos pelas mãos das partes (os protagonistas da cena do crime) compete ao juiz absolver o réu por insuficiência de provas, sob pena de violação a um pressuposto processual de validade do processo, qual seja, a imparcialidade do magistrado.

O pacote Anticrimes retirou o juízo do papel de fiscal do princípio da obrigatoriedade. Em outras palavras: juiz, não meta o bedelho aonde não foi chamado.

Obs. O tema é novo e ainda não há julgados acerca do tema do juiz de garantias!

QUESTÃO 2

 Carlos Pinico era conhecido receptador na comunidade em que vivia. Dia desses, foi delatado pela namorada Lola Bolero, enciumada com as paqueras paralelas do gajo. Preso, julgado e condenado estava recolhido no complexo penitenciário do seu Estado. Mas de bolero passou a dançar funk. Isso porque Pinico era vinculado a uma organização criminosa poderosíssima no país, da qual ajudava a comandar do celular que ganhou no bolo de visita. A transferência de Pinico para um presídio federal de segurança máxima era mais que urgente. O administrador do presídio redigiu um requerimento ao juiz, que sem ouvir a defesa, transferiu o preso, de forma imediata, ao presídio federal mais próximo. Irresignada, a defesa insurgiu-se contra a decisão do magistrado taxando-a de arbitrária e com abuso de autoridade. A pergunta que não quer calar é a seguinte: O magistrado, ao assim agir, teria praticado o crime de abuso de autoridade?

A resposta negativa se impõe.

Dispõe a Súmula 619 do STJ:

Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determina uma transferência ou a permanência de um custodiado em um estabelecimento penitenciário federal.

Para fins de conhecimento cabe a nós destacar que o Brasil possui cinco estabelecimentos federais.

A lei que dispõe sobre a transferência de presos, como já dito é a Lei 11.671/08, em casos de presos oriundo de presídio estadual transferidos para o federal, como, a título de exemplo, presos de alta periculosidade recolhidos em presídio estadual que necessitaram, em algum momento, em serem transferidos para  um presídio de segurança máxima.

E, aqui, cabe um detalhe: Não somente irão para a penitenciária federal presos julgados pela justiça federal. Posso ter um preso da justiça comum estadual ou mesmo um preso provisório, aquele que fora preso preventivamente. O critério para abrigo a penitenciária federal é aquele ligado a periculosidade do preso ou mesmo a segurança pública. Em nada está atrelado aos critérios processuais de competência.

Observando o artigo quinto da lei em comento constatamos quem são os legitimados para solicitarem essa transferência ou inclusão na penitenciária federal, quais sejam: autoridade administrativa, delegado, secretário de Justiça, Ministério Público e o próprio preso. A competência para a decisão da transferência é uma competência conjunta que parte do juízo de origem em diálogo com o corregedor do presídio (autoridade máxima administrativa do presídio federal). Contudo, antes de decidir o juiz deverá ainda ouvir os demais legitimados acima arrolados, no prazo de cinco dias.

Todavia, a própria lei, no mesmo artigo quinto, prevê um contraditório postergado, com remessa do preso para o estabelecimento federal sem a oitiva prévia dos legitimados. São os casos de extrema necessidade, reputados urgentes, desde que motivados. Nesse sentido caminha a lei supra, de mãos dadas com a súmula acima citada.

Repisando. Dispõe a Súmula 619 do STJ:

Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determina uma transferência ou a permanência de um custodiado em um estabelecimento penitenciário federal.

Logo, a decisão do juiz foi respaldada em texto normativo e na súmula 619 do STJ e, portanto, não há que se falar na prática de crime de abuso de autoridade.

Tal súmula fora exibida  no Informativo 660 do Superior Tribunal de Justiça, na data de 06 de dezembro de 2019.

QUESTÃO 3

Os empregados da Empresa Philipinho foram contaminados por mercúrio, ao laborarem na produção de lâmpadas fluorescentes na unidade do ABC Paulista. Boa parte dos trabalhadores foram diagnosticados com mecurismo, doença ocasionada pela exposição e contato com o metal, qual seja, o mercúrio. É cediço que a contaminação por mercúrio afeta, principalmente, o sistema nervoso central. Após o inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Philipinho encerrou as suas atividades e, ato contínuo, demitiu todos os seus empregados. Em defesa apresentada em juízo diante de ações indenizatórias propostas pelos em empregados, a empresa alegou que rompido o vínculo laboral não há que se falar em efeitos colaterais do mercurismo aptos a gerarem indenizações. Ademais, argumentou que adotou equipamentos de proteção coletiva e individual com adequação ao meio ambiente do trabalho, aptos a evitarem riscos aos trabalhadores. Tais argumentos defensivos devem ser acatados?

A resposta negativa se impõe. Já se foi o tempo em que o Direito Penal de Intervenção cujo principal expoente é Windfried Hassemer  - que apregoava que o Direito Penal era voltado basicamente à tutela de bens jurídicos individuais - figurando acima do Direito Administrativo e abaixo do Direito Penal - caiu por terra.   

A necessidade de sobrevivência da espécie humana rendeu-se a uma nova interpretação das teorias acerca da proteção ao bem jurídico e de seu corolário, qual seja: o princípio da ofensividade. Hoje, os anseios ambientais pugnam pela adoção do Direito Penal visto como proteção do contexto da vida em sociedade, capitaneado por Günter Stratenwerth - em que o Direito subsume-se a um Direito de gestão punitiva dos riscos gerais, numa radical mudança de enfoque, em que a proteção do bem jurídico individual ganha conotação secundária, abrindo espaço para a tutela direta dos direitos coletivos como contexto da vida, de forma a garantir a própria subsistência desta.

O meio ambiente é direito fundamental do homem de terceira dimensão (direitos de fraternidade!) e, para que ganhe concretude, consubstanciada na força normativa da Constituição, deve o homem protegê-lo, inclusive, de si mesmo! Já se foi o tempo em que o Direito Penal de Intervenção cujo principal expoente é Windfried Hassemer  - que apregoava que o Direito Penal era voltado basicamente à tutela de bens jurídicos individuais - figurando acima do Direito Administrativo e abaixo do Direito Penal - caiu por terra.   

A necessidade de sobrevivência da espécie humana rendeu-se a uma nova interpretação das teorias acerca da proteção ao bem jurídico e de seu corolário, qual seja: o princípio da ofensividade. Hoje, os anseios ambientais pugnam pela adoção do Direito Penal visto como proteção do contexto da vida em sociedade, capitaneado por Günter Stratenwerth - em que o Direito subsume-se a um Direito de gestão punitiva dos riscos gerais, numa radical mudança de enfoque, em que a proteção do bem jurídico individual ganha conotação secundária, abrindo espaço para a tutela direta dos direitos coletivos como contexto da vida, de forma a garantir a própria subsistência desta. O meio ambiente é direito fundamental do homem de terceira dimensão (direitos de fraternidade!) e, para que ganhe concretude, consubstanciada na força normativa da Constituição, deve o homem protegê-lo, inclusive, de si mesmo!

O homem, desbravador de matas, no afã da busca desenfreada por novas tecnologias, ao longo de décadas, atropelou o ecossistema e comprometeu a sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações e, pasmem: até mesmo para as passadas!

Há muito o sistema da compensação (isto é, degradou versus compensou) não é mais satisfatório ambientalmente ao planeta - que vem sofrendo os impactos da degradação humana no próprio ambiente doméstico. Atento a tal cenário, o Superior Tribunal de Justiça, na lavra do julgamento do Recurso Especial 883.656 encampou o princípio do in dubio pro natura, base do princípio da preocupação, cuja consequência imediata é a inversão do ônus da prova. A natureza indisponível do bem jurídico protegido, qual seja, o meio ambiente, impõe uma atuação mais proativa do magistrado no afã de que restem preservados os interesses dos incontáveis sujeitos ausentes, por vezes, toda a humanidade e as futuras gerações.

Para sermos fiéis ao julgado reproduzimos, ao leitor, o teor de sua ementa:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. 1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo. 2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito. 3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda. 4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada. 5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo). 6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução" (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009). 7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009). 8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência - juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico primário a ser protegido. 9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova, eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra, como regra, na Súmula 7 do STJ. "Aferir a hipossuficiência do recorrente ou a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são providências de todo incompatíveis com o recurso especial, que se presta, exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe uniformidade" (REsp 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, REsp 927.727/MG, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008). 10. Recurso Especial não provido. PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. 1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo. 2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito. 3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda. 4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada. 5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo). 6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução" (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009). 7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009). 8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência - juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico primário a ser protegido. 9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova, eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra, como regra, na Súmula 7 do STJ. "Aferir a hipossuficiência do recorrente ou a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são providências de todo incompatíveis com o recurso especial, que se presta, exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe uniformidade" (REsp 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, REsp 927.727/MG, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008). 10. Recurso Especial não provido.

          QUESTÃO 4

O Congresso Nacional aprovou uma lei ordinária concedendo isenção do imposto ICMS para o leite em pó em todo o território nacional, como mecanismo de atenuar a crise financeira lastreada por todo o país e no mundo, em consequência da pandemia do corona vírus, já que barateando o preço do leite, a população, por conseguinte, se alimenta melhor. Os Estados da federação judicializaram a questão, ao argumento de falecer ao ente federativo competência para tal desiderato. Assiste razão aos Estados? E se a União Federal tivesse se valido de tratado internacional para conceder a isenção do mesmo tributo com a Argentina, por exemplo?

A resposta afirmativa se impõe. Faltaria um requisito de admissibilidade para a instituição de isenção de ICMS pela União, qual seja: a competência para a instituição, incidindo, pois, em isenção heterônima, vedada constitucionalmente. 

Competência tributária é a aptidão para criar in abstrato tributos, bem como modificá-los e extingui-los, com autorização constitucional para tanto. Em nome do princípio do federalismo o poder de tributar foi delimitado, poder esse, que englobou a competência legislativa, fatiando o bolo (receita) entre as pessoas políticas: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A distribuição rígida de competências entre os entes fora elaborada para que não houvesse conflito entre eles, de forma que a mesma competência não pode ser exercida simultaneamente. Em nome do princípio do federalismo o poder de tributar foi delimitado, poder esse, que englobou a competência legislativa, fatiando o bolo (receita) entre as pessoas políticas: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (Grifos e sombreados nossos!)

Contudo, caso tal isenção fosse veiculada pela União, através de tratado, tal mecanismo poderia ter sido implementado.

Reproduzimos, aqui, a ementa e parte do voto dos Ministros do STF quando do julgamento RE 804350 PE. Confira o leitor:

DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE LEITE EM PÓ DA ARGENTINA. PAÍS SIGNATÁRIO DO GATT. ISENÇÃO HETERÔNOMA. TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. CONSTITUCIONALIDADE. ALCANCE E LEGITIMIDADE DE ISENÇÕES À LUZ DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. SIMILARIDADE ENTRE PRODUTOS NACIONAIS E ESTRANGEIROS. APRECIAÇÃO EM SEDE EXTRAORDINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 01/12/2010. A matéria versada no art. 5º, incisos XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal não foi arguida nas razões do recurso extraordinário, sendo vedado ao recorrente inovar no agravo regimental. A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido da constitucionalidade das desonerações tributárias estabelecidas, por meio de tratado, pela República Federativa do Brasil, máxime no que diz com a extensão, às mercadorias importadas de países signatários do GATT, das isenções de ICMS concedidas às similares nacionais (Súmula STF 575).

O mesmo raciocínio já foi esposado pela Corte Cidadã, no caso da isenção do ICMS da importação do peixe merluza. Confira o leitor o julgado extraído do RESP528.288/SP:

EXECUÇÃO FISCAL. Embargos. ICMS. Pescado (Merluza). Produto importado de país signatário do GATT. Isenção. Hipótese não ocorrente. Convênio interestadual 60/91. Precedentes do STJ. Embargos improcedentes. Recurso não provido.

 

Questão 5

O Governo Federal, preocupado com o estado de calamidade pública que assola o país, devido a pandemia do coronavírus edita medida provisória (MP 954) estipulando que, enquanto perdurar a situação emergencial, as empresas de telefonia (fixa e móvel) deveriam repassar ao IBGE os dados de seus clientes, tais como os nomes, telefones de contato, endereço físico e virtual, etc. Maria da Ladainha ficou sabendo, não gostou e como integrante da classe dos advogados foi correndo levar a notícia para a Ordem dos Advogados do Brasil. Dizia ela: “ora bolas, estão querendo me coisificar, me transformar em números estatísticos!” A intenção do Governo Federal foi boa, qual seja, a de evitar que os próprios funcionários das pesquisas não se contaminassem com o contato presencial. Contudo, já diz o velho ditado e as más línguas, “de boas intenções o inferno está cheio.” Nesse pensar, a Ordem dos Advogados do Brasil, o PSDB, o PSB e PSOl (partidos políticos) ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade (ADI6387, ADI 6389, ADI 6388, ADI 6390 e ADI 6393) alegando, dentre outros fundamentos, violação à dignidade da pessoa humana, honra, imagem, vida e ao próprio sigilo de dados. Em contrapartida, vozes outras argumentaram que melhor que sejam circulados dados do que pessoas, com riscos maiores de contaminação. Considerando a gravidade da crise sanitária que assola o país e o mundo, o que preenche os requisitos de relevância e urgência na edição da medida provisória, deve tal medida provisória ser declarada inconstitucional e, por consequência, banida do ordenamento jurídico?

A resposta afirmativa se impõe. Instado a pronunciar-se sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no bojo do Informativo 976 examinou a questão. As políticas públicas são necessárias e bem-vindas nesse período de grave crise sanitária, em que o número de mortes cresce a cada dia. Contudo, não se pode, sob a pecha de instituir políticas públicas emergenciais, atropelar direitos e garantias fundamentais do indivíduo. Há um núcleo duro que deve ser respeitado (limite dos limites). Tal providência sequer foi submetida a debate público, ou seja, o Governo Federal, ao editar a referida medida provisória, fez tábula rasa da administração dialógica. Ademais, embora os direitos e garantias fundamentais sejam relativos, que admitam ponderações, o desrespeito ao devido processo legal no seu aspecto substancial (princípio da razoabilidade) constitui o próprio núcleo duro e deve, portanto, ser respeitado. A nosso sentir, o acesso amplo aos dados permite, por via oblíqua, o conhecimento de dados que extrapolam a finalidade da medida e, nesse ponto, há sensível violação aos direitos da personalidade. O ser humano não pode ser coisificado. Reduzido a números. O seu nome, o seu domicílio são emanações do seu direito da personalidade. Não sejamos maquiavelianos a ponto de defendermos que os fins justificam os meios, por mais nobres que os fins possam parecer.

Para sermos fiéis ao julgado exarado pela Suprema Corte reproduzimos, aqui, trechos do julgado. Confira o leitor:

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Covid-19: empresas de telefonia e compartilhamento de informações com o IBGE


O Plenário, por maioria, referendou medida cautelar em ações diretas de inconstitucionalidade para suspender a eficácia da Medida Provisória 954/2020 (1), que dispõe sobre o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e de Serviço Móvel Pessoal (SMP) com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para fins de suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (Covid-19).O Tribunal esclareceu que as condições em que se dá a manipulação de dados pessoais digitalizados, por agentes públicos ou privados, consiste em um dos maiores desafios contemporâneos do direito à privacidade. A Constituição Federal (CF) confere especial proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas ao qualificá-las como invioláveis, enquanto direitos fundamentais da personalidade, assegurando indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X). O assim chamado direito à privacidade e os seus consectários direitos à intimidade, à honra e à imagem emanam do reconhecimento de que a personalidade individual merece ser protegida.... A fim de instrumentalizar tais direitos, a CF prevê, no art. 5º, XII, a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer...
Decorrências dos direitos da personalidade, o respeito à privacidade e à autodeterminação informativa foram positivados, no art. 2º, I e II, da Lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), como fundamentos específicos da disciplina da proteção de dados pessoais.
O colegiado observou que o único dispositivo da MP 954/2020 a dispor sobre a finalidade e o modo de utilização dos dados objeto da norma é o § 1º do seu art. 2º. E esse limita-se a enunciar que os dados em questão serão utilizados exclusivamente pelo IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares. Não delimita o objeto da estatística a ser produzida, nem a finalidade específica, tampouco sua amplitude. Igualmente não esclarece a necessidade de disponibilização dos dados nem como serão efetivamente utilizados...Ao não definir apropriadamente como e para que serão utilizados os dados coletados, a MP 954/2020 não oferece condições para avaliação da sua adequação e necessidade, assim entendidas como a compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas e sua limitação ao mínimo necessário para alcançar suas finalidades. Desatende, assim, a garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), em sua dimensão substantiva. De outra parte, o art. 3º, I e II, da MP 954/2020 dispõe que os dados compartilhados “terão caráter sigiloso” e “serão utilizados exclusivamente para a finalidade prevista no § 1º do art. 2º”, e o art. 3º, § 1º, veda ao IBGE compartilhar os dados disponibilizados com outros entes, públicos ou privados. Nada obstante, a MP 954/2020 não apresenta mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida, seja na sua transmissão, seja no seu tratamento. Limita-se a delegar a ato do presidente do IBGE o procedimento para compartilhamento dos dados, sem oferecer proteção suficiente aos relevantes direitos fundamentais em jogo. Ao não prever exigência alguma quanto a mecanismos e procedimentos para assegurar o sigilo, a higidez e, quando o caso, o anonimato dos dados compartilhados, a MP 954/2020 não satisfaz as exigências que exsurgem do texto constitucional no tocante à efetiva proteção de direitos fundamentais dos brasileiros.... A ausência de garantias de tratamento adequado e seguro dos dados compartilhados é agravada pela circunstância de que, embora aprovada, ainda não está em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018), definidora dos critérios para a responsabilização dos agentes por eventuais danos ocorridos em virtude do tratamento de dados pessoais. Nesse contexto, não bastasse a coleta de dados se revelar excessiva, ao permitir que, pelo prazo de trinta dias após a decretação do fim da situação de emergência de saúde pública, os dados coletados ainda sejam utilizados para a produção estatística oficial, o art. 4º, parágrafo único, da MP 954/2020 permite a conservação dos dados pessoais, pelo ente público, por tempo manifestamente excedente ao estritamente necessário para o atendimento da sua finalidade declarada, que é a de dar suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública decorrente do Covid-19.Vencido o ministro Marco Aurélio, que não referendou a medida cautelar e manteve hígida a medida provisória...Pontuou que a medida provisória surgiu diante da dificuldade de se colher dados, devido à impossibilidade de ter-se pessoas circulando, visitando os domicílios e residências... A sociedade perde com o isolamento do IBGE, pois o levantamento de dados é necessário ao implemento de políticas públicas. Afirmou que a ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada contra ato precário e efêmero, que fica, uma vez formalizado pelo Executivo, submetido a condição resolutiva do Congresso Nacional, que tem prazo para pronunciar-se a respeito. Ao analisar a medida provisória, o Congresso Nacional aprecia sua harmonia ou não com a CF, bem como a conveniência e a oportunidade da normatização da matéria. Afastou a concepção segundo a qual existiria verdadeira conspiração por trás dessa medida provisória. Destacou que não se pode presumir o excepcional ou extravagante.